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As redes municipais de educação diante da pandemia

As redes municipais de educação diante da pandemia

08 de Abril de 2020

Em meio à suspensão das atividades escolares em todo o país em decorrência da pandemia de Coronavírus e a incerteza em relação à quando as salas de aula poderão voltar a ser ocupadas pelos estudantes, secretários municipais de educação de todo o país discutem alternativas para conseguir cumprir o calendário escolar previsto para 2020. Eles ainda cobram do governo federal medidas emergenciais para que, durante o período em que as aulas permaneçam suspensas, os estudantes matriculados nas redes municipais continuem tendo acesso à alimentação fornecida pelas escolas durante o ano letivo.

Na quarta-feira (1º/04), o governo apresentou ao Congresso Nacional uma Medida Provisória que, em princípio, parecia vir ao encontro do que reivindicavam entidades como a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), que divulgou uma lista de propostas para o enfrentamento dos efeitos da pandemia de covid-19 na educação na qual lembrou que, segundo a Lei de Diretrizes e Bases caso a suspensão das aulas se estendesse por vários meses, os 200 dias letivos obrigatórios poderiam ser flexibilizado em até 25%, desde que fosse mantido o mínimo de 800 horas de aula aos estudantes. Foi o que estabeleceu a MP 934, apresentada pelo governo federal, que criou normas excepcionais para o ano letivo na educação básica e no ensino superior em decorrência das medidas de enfrentamento da epidemia de coronavírus.

Em matéria do jornal O Globo do dia 1º de abril, o presidente da Undime, Luiz Miguel Garcia, comentou que, embora a medida seja “importante em algumas situações” por permitir a reorganização da rede, o texto da MP 934 joga a responsabilidade sobre a normatização de como as horas-aula serão cumpridas para os conselhos estaduais e municipais de educação, o que para ele é motivo de preocupação. “Defendemos, por exemplo, que a educação à distância não seja usada na educação infantil e na alfabetização, que o máximo de utilização de EAD seja de 25% a partir do segundo segmento do fundamental. A gente deve sempre priorizar as aulas presenciais, se isso não se alongar por muito tempo, conseguiremos repor utilizando sábados, períodos de recesso e ampliando as jornadas, por exemplo”, defendeu o presidente da Undime.

Ensino à distância é a solução?

A aposta no ensino à distância (EaD) no contexto da epidemia é vista com cautela por alguns dirigentes municipais. Alessio Costa, presidente da Undime Região Nordeste e secretário municipal de Educação de Alto Santo, no Ceará, enxerga uma corrida por parte de conselhos estaduais e alguns conselhos municipais em publicar resoluções para normatizar essa prática em suas respectivas redes, principalmente após o Conselho Nacional de Educação (CNE), no dia 18 de março, publicar uma nota autorizando a realização de atividades à distância a partir do ensino fundamental face à paralisação das aulas por conta da pandemia. “O que nós precisamos no momento é definir estratégias viáveis, do ponto de vista tecnológico. Que tecnologia nós podemos lançar mão? Pode ser um canal aberto de TV, associado a recursos de internet e outros meios, como o rádio, que a gente sabe que é de grande alcance, sobretudo, naquelas famílias do interior. Isso só pode ser dar com uma ação articulada de âmbito nacional liderada pelo Ministério da Educação”, argumenta Costa, ressaltando que em boa parte dos municípios brasileiros o acesso à internet é precário. “Nós sabemos que o Brasil não tem tecnologia apropriada e nem adequada para o funcionamento da educação dessa forma. Hoje a educação à distância em nosso país é uma realidade mais do ensino superior e de algumas redes estaduais que têm algumas experiências desenvolvidas de modelos híbridos, com atividades regulares presenciais complementadas com algumas atividades à distância. Mas nós temos uma grande limitação que é a questão da conectividade. Se nem as nossas escolas públicas o Ministério da Educação conseguiu prover com acesso à internet, imagina as famílias dos alunos que frequentam a escola”, complementa.

Por conta disso, ele vê na adoção massiva de metodologias baseadas na EaD como alternativa para a retomada das atividades escolares, um risco de que sejam ampliadas as desigualdades educacionais no país. “Se houvesse a destinação de um canal de TV aberto exclusivo para transmissão de vídeo-aulas para cada uma das séries do ensino fundamental ao médio, e houvesse uma preparação concomitante dos professores para esta metodologia de ensino, talvez nós tivéssemos condição de ensaiar algumas atividades complementares para ir minimizando o impacto desse período de paralisação. Mas isso pressupõe um tempo mínimo de organização, de planejamento dessas aulas, de organização do tempo em que elas estarão sendo emitidas com interação simultânea entre alunos e professores”, cobra o presidente da Undime Região Nordeste, que questiona ainda como será feito o acompanhamento dos conteúdos disponibilizados via EaD. “Como esses alunos serão avaliados para ver se, de fato, eles estão aprendendo? De nada adiantará todo esse esforço que está sendo feito para lançar o bloco da EaD na rua como uma solução emergencial se as alternativas escolhidas não assegurarem que de fato as crianças e os jovens aprendam”, pontua.

A adoção da EaD como estratégia preferencial por governos no contexto de suspensão das aulas também tem sido objeto de críticas por parte de movimentos sociais como a Campanha Nacional pelo Direito à Educação, que em nota chamou de “equívoco em muitas dimensões” o uso da EaD na educação básica como substituição às aulas. “EaD é uma modalidade educativa que requer planejamento, recursos técnicos e tecnológicos, formação profissional, modelo híbrido de oferta, de modo a se adequar à realidade dos sujeitos, não é adequada para a educação básica como um todo, e muito menos é um tapa-buraco da modalidade presencial. É um equívoco pensar que se faz EaD com transposição das aulas para um ambiente virtual”, afirma a Campanha em um documento publicado em seu portal na internet, com o título ‘8 motivos para não substituir a educação presencial pela educação a distância (EaD) durante a pandemia’. Nele, a entidade afirma que apenas 42% dos domicílios no Brasil têm computador e ecoa argumentos utilizados por representantes da Undime, ao apontar que a EaD é “ilegal e inviável” na educação infantil, além de não ser “adequada” para o ensino fundamental, segmento em que as crianças ainda não desenvolveram a “autonomia, capacidade de concentração e autodisciplina” que a modalidade exige. A Campanha apontou ainda o risco representado pelo que chamou de “capitalismo de vigilância” no uso de plataformas desenvolvidas por empresas de tecnologia, como a Google Classroom. “Há o oportunismo das empresas de tecnologia e de comunicação e o risco de apropriação de dados e privatização”, alertou a Campanha, complementando que a gratuidade de aulas online, por exemplo, “costuma esconder modelos de negócio em que o lucro das empresas vem da exploração dos dados de seus usuários para, com isso, ofertar produtos e serviços”, alertou.

Alimentação escolar

Outro ponto focal da agenda dos dirigentes municipais no contexto da suspensão das aulas vem sendo a questão da alimentação escolar. Segundo entidades como a Undime e também movimentos como a Campanha Nacional pelo Direito à Educação, a suspensão das aulas em todo o país colocou em risco a segurança nutricional dos quase 40 milhões de jovens matriculados na rede pública na educação básica, já que a merenda escolar em muitas localidades do país representa a principal fonte nutricional das crianças ao longo do dia.

Na segunda-feira (30/03) o Senado aprovou uma lei que permite que os alimentos adquiridos pelos municípios por meio do Programa Nacional de Aquisição de Alimentos (PNAE) sejam distribuídos diretamente aos pais ou responsáveis dos estudantes das escolas públicas de educação básica. O texto ainda aguarda sanção do presidente da República. “É importante o Ministério da Educação assegurar que o fornecimento da merenda vai acontecer de forma suplementar, porque quando reiniciar as aulas nós vamos precisar continuar comprando a merenda e, se não houver um recurso adicional, vai faltar merenda quando as aulas retomarem”, alerta Alessio Costa presidente da Undime Região Nordeste. Para ele, a distribuição dos alimentos deve ser feita por meio de convênios entre as secretarias de educação e de assistência social, que precisam ser disciplinados por meio de normativas pelo governo federal. Costa defende ainda que a medida venha acompanhada de uma ampliação dos repasses feitos através de políticas de redistribuição de renda, como o Bolsa Família, uma vez que, segundo ele, os recursos do PNAE utilizados para a compra de alimentos para serem produzidos nas escolas não deverão ser suficientes para garantir a segurança alimentar dos estudantes. “A merenda escolar não vai dar para todos se for distribuída em gênero em vez de ser fabricada na escola”, argumenta.

Por: André Antunes - EPSJV/Fiocruz

Edição: Ivisson Costa (MTb 6006-BA)
Jornalista

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